Nas tardes dos três dias de debates, as dinâmicas dos “world cafes” permitiram aos participantes se apropriarem e elaborarem os temas abordados nas “ágoras” pela manhã. Organizando-se em torno de mesas de aproximadamente 6 pessoas, esta etapa do Fórum pôde contar com toda a diversidade de perspectivas sobre os assuntos tratados, a partir de frases propositivas colocadas pela organização do evento em cada mesa, no intuito de estimular e provocar a troca de ideias. O resultado dessas dinâmicas foi ao final compilado e disponibilizado para apreciação, podendo ser conferido nos documentos a seguir.
RESTITUIÇÕES LIDAS NO ENCERRAMENTO DO FÓRUM POLÍTICAS CULTURAIS EM DEBATE
Os World Cafés sobre o tema “Territorialização, descentralização” abriram os trabalhos colaborativos do Fórum. As reflexões em torno do tema debruçaram-se principalmente sobre propostas ligadas a dispositivos já existentes, mas que segundo a experiência geral “não funcionam” devidamente.
Muitas sugestões foram levantadas, nos seguintes sentidos:
● capacitação de agentes culturais,
● maior horizontalidade na definição de políticas,
● maior continuidade nos programas,
● desburocratização dos mecanismos de fomento,
● maior capacidade de representação das instituições;
● maior territorialidade das políticas (através de mecanismos como ocupação de espaços públicos, por exemplo);
● necessidade de mapeamento e diagnóstico de dados culturais nos territórios, bem como seu compartilhamento para uma melhor compreensão das realidades locais;
● necessidade de sistemas de avaliação dos projetos e políticas;
● utilização de ferramentas digitais em rede para implementação de políticas de territorialização e descentralização.
Além desses pontos levantados, três outras reflexões que emergiram do processo chamaram atenção de modo especial, devido ao teor de propositividade.
Em primeiro lugar, foram recorrentes reflexões sobre a necessidade de integração das políticas culturais com as políticas educacionais, em diversos níveis, desde o mais institucional até o mais local, com algumas sugestões de soluções mais concretas para o trabalho sistêmico entre cultura e educação.
Observamos ainda proposta no sentido de fortalecimento dos mecanismos de direitos autorais como eixo para a descentralização e territorialização das políticas culturais. Esta ligação é especialmente interessante, por ser uma das poucas reflexões que se mostrou capaz de pensar alguma relação da territorialização com a dimensão do mercado cultural. Neste sentido, outro ponto a ser considerado foi a dificuldade de se pensar as políticas culturais fora do âmbito das políticas públicas, como se a primeira só pudesse ser encontrada no bojo da segunda.
Por fim, um dos apontamentos mais sintomáticos realizados ao longo do debate foi a necessidade de se fazer funcionar os dispositivos de descentralização já existentes, ao invés de se pensar em novos. E em alguns momentos, foi entendido que fazer funcionar devidamente o que já está colocado seria inclusive mais importante do que criar novos mecanismos para os mesmos fins. Desta maneira, a integração da futura plataforma com outras já existentes seria uma orientação desejável.
O tema “Territorialização, descentralização” colocou-nos em contato com algumas questões e desafios basilares, que não dizem respeito apenas à cultura, mas à própria constituição histórica de nosso sistema de governança política. Afinal de contas, se nos propomos a ser uma estrutura federativa, porque o alto nível de centralização e a dificuldade de representação das políticas culturais em nível local? Mais ainda: encontrar mecanismos adequados de representação cultural esgota a questão? Não seria importante entender os limites da representação política e saber o ponto em que a política cultural deve abster-se de tentar controlar os fluxos e processos culturais? A partir desses questionamentos, muita coisa pode ser pesquisada e elucidada para que a plataforma não reproduza os mesmos mecanismos viciados de representação atualmente em curso em nosso processo democrático.
A cultura é ao mesmo tempo uma estrutura pré-estabelecida e uma dinâmica fluida e diversa, o que torna sua análise e sua observação complexas. Em sua característica dinâmica, a cultura é constantemente submetida à mudança e à história.
Quando falamos de ferramentas de observação cultural, algumas questões de base emergem como desafios a serem observados, em especial a dificuldade para se trabalhar com indicadores qualitativos que de fato sejam capazes de dar conta da realidade cultural em jogo nos projetos e políticas, bem como os riscos de se apoiar em “hard data” para tomada de decisões.
Na ágora sobre este tema, os palestrantes trouxeram a angústia de ver minimizada a complexidade da cultura quando lida através de números simplificadores. E o diagnóstico dessa angústia não se limita à conformação da política cultural a algum plano de metas quantitativo. Parecemos estar diante de uma simplificação que se inicia desde o recorte dos pontos a serem pesquisados, por vezes escolhidos por agentes distantes da realidade cultural local, e movidos por objetivos políticos partidários. Ainda, percebe-se um sem número de pesquisas e registros desenvolvidos por instituições que, ou não estão acessíveis, ou não se vinculam a qualquer processo de elaboração ou tomada de decisão em política cultural. Além da dificuldade para o mapeamento de dados e informações através de pesquisa, parece evidente que nos falta também a capacidade de utilizar o que já dispomos para imaginar ações e produzir políticas culturais mais condizentes com as demandas e anseios do tempo presente.
No World Café relacionado ao tema, algumas questões foram recorrentemente debatidas, tais como:
● A necessidade de criação de uma rede para troca de informações;
● Encontros entre sociedade civil e governo;
● Mapeamento das necessidades diversas da área da cultura.
Destacamos as ideias que surgiram no sentido de que a plataforma funcione de modo colaborativo, em um modelo de governança compartilhado entre as diversas esferas.
A parceria com universidades, a parceria entre cultura e educação também apareceram como ponto fundamental neste world cafe. A produção de novas e diferentes metodologias de pesquisa na área da cultura poderia ser acolhida nas universidades, por meio de fundos e linhas de investimento específicos.
A formação de agentes que possam qualificar os dados obtidos, ler cenários e propor projetos foi outro ponto que se destacou nas propostas emergentes do trabalho. Ainda, a ideia de se criar sistemas de entrecruzamento dos dados já existentes em diferentes fontes foi recorrente durante o trabalho, apontando para uma percepção geral que pode ser considerado um problema central na realidade de nossa política cultural: a tendência a sacrificar a continuidade dos processos, reinventando a todo instante o que foi construído sem aproveitar os trabalhos previamente realizados.
Entendido como um desdobramento do tema explorado no dia anterior (Territorialização e descentralização), o world café deste dia trouxe novos desafios para pensar a aproximação da política cultural com os territórios. Na verdade, o que a presente pauta nos trouxe foi um questionamento da própria natureza e limitações dessa aproximação, uma vez que ela ocorre de cima para baixo, a partir de uma institucionalidade representativa. Passar, portanto, do âmbito da “representação” para o âmbito da “participação” é o desafio fundamental colocado por este tema.
Ao longo do processo de trabalho, os grupos se dividiram entre diferentes desdobramentos deste tema, fazendo reflexões que giraram em torno de:
● Visibilidade para as culturas das periferias;
● Mecanismos para tomada de decisões mista em políticas culturais (poder público e sociedade civil);
● Políticas de intercâmbio cultural;
● Saberes tradicionais no ambiente escolar;
● Ferramentas digitais para colaboração e fomento de iniciativas independentes;
● Estímulo do potencial dos indivíduos para contribuir na vida cultural;
● Mapeamento da diversidade das culturas tradicionais;
● Editais favorecendo hibridização de linguagens.
Algumas ideias foram levantadas especificamente sobre como a plataforma deveria se comportar em relação ao tema. As principais ideias sugeridas podem ser resumidas da seguinte forma:
● Problematizar critérios de seleção para participação na plataforma (ter como base a pluralidade de participação);
● Considerar histórico das políticas culturais brasileiras;
● Fomentar rede de iniciativas independentes;
● Privilegiar caráter colaborativo;
● Instaurar sistema de comunicação capilarizada para maior efetividade da plataforma nos territórios;
● Atentar para a usabilidade: a plataforma deve se fazer presente na vida cultural dos territórios.
Duas propostas sobressaíram-se devido ao seu teor de propositividade. Em uma delas, foi apontada a necessidade de um entendimento mais amplo da questão do acesso, para além da gratuidade na oferta de programação. Entendeu-se que temas como mobilidade urbana e educação fazem parte igualmente deste importante eixo de política cultural. Neste sentido, o acesso à programação pode ser considerado como a “ponta do iceberg” de um processo que deve começar muito antes, e envolve de forma sistêmica diferentes áreas que dialogam com a oferta cultural em si mesma.
A segunda proposta a ser destacada diz respeito à política de inserção das culturas tradicionais no mercado, como forma de emancipação dos mecanismos de representação em busca de uma participação mais autônoma na vida cultural e social. O exemplo dado para ilustrar essa questão foi a criação de produtos a partir de manifestações culturais tradicionais, com o fim de fomentar a sustentabilidade do processo e seus agentes. No entanto, é importante ressaltar o cuidado para que iniciativas como essa não interfiram negativamente na vida cultural dos territórios, especialmente no que tange aos processos identitários.
Em alguns momentos, foi percebida a emergência de reflexões e propostas semelhantes às do tema “territorialização e descentralização”, realizada no dia anterior. De fato, existe uma aproximação muito grande entre os temas. Por outro lado, o ponto que os torna distintos é da maior importância e deve ser compreendido e ressaltado: enquanto um parte de um movimento “de cima para baixo” (da instituição para o território), o outro parte do movimento oposto, “de baixo para cima” (do território para a instituição). Assim, a dificuldade das pessoas pensarem concretamente a partir da chave da “participação”, muitas vezes pensando-a como apenas um grau mais avançado e incisivo de “representação” (quando na verdade é o seu oposto), é algo digno de nota, tendo revelado-se um importante ponto de reflexão ao fim da atividade.
Por serem conceitos carregados de particularidades e por serem multidisciplinares, Turismo e Cultura precisam de uma rede de atores colaborativos para promover o equilíbrio entre os dois temas. Partindo do pressuposto de que o Turismo envolve deslocamento de pessoas e a fruição de novas culturas, é de suma importância que se promova o fortalecimento dos atores sociais para que estes sejam parte integrante do processo, evitando assim o esvaziamento das identidades culturais.
No Word Café, foram levantadas discussões baseadas em:
● Flexibilização dos instrumentos de incentivo;
● Apropriação da cidade pela população;
● Fortalecimento de atores sociais e produção local;
● Empoderamento da comunidade e maior participação.
É importante destacar que, pelas discussões e pelas propostas apresentadas, observou-se a expectativa de uma efetiva participação do Estado nas questões levantadas por este tema. Observou-se também a necessidade de uma governança adequada entre os diferentes atores para que a relação entre turismo, cultura e desenvolvimento possa se dar de forma sustentável e estimulando a autonomia dos territórios. Assim, as proposições sobre o tema passaram principalmente pelas questões:
1- Alterações na legislação;
2- Participação efetiva da população no planejamento de políticas públicas;
3-Compartilhamento entre atores e cidades criativas; e
4- Educação patrimonial e planos de salvaguarda.
Chamamos atenção para uma proposta concreta apresentada: criação de um aplicativo de intercâmbio dos saberes em parceria com as universidades.
Ao finalizar os trabalhos e apresentação das propostas, os participantes ressaltaram a necessidade de continuidade e aplicabilidade dos conteúdos debatidos durante o Fórum, de modo que a plataforma não seja apenas mais um levantamento de ideias sem efetividade.
A partir da provocação lançada de se refletir a relação entre cultura, economia e criatividade, foram apresentadas durante as ágoras questões que mais de uma vez atravessaram as discussões sobre participação e suas possibilidades. Inevitavelmente, este tema trouxe novamente palavras e reflexões que haviam sido lançados em ágoras anteriores, como por exemplo: Territorialização, Descentralização e Participação dos Habitantes na Vida Artística e Cultural.
Durante a fala dos palestrantes fomos levados a refletir sobre cidades criativas, acesso, engajamento individual e coletivo, cooperação, inclusão de vozes, transversalidades, permanência e continuidade, compartilhamento e investimento. No entanto, pensar as trocas e intercâmbios, entender que engajar dinheiro em cultura não é gasto e sim investimento, refletir sobre a relevância de laboratórios e sobre a valorização do processo, não nos impediram de visualizar os riscos que as reflexões em torno da Economia Cultural Criativa nos trazem.
Ao abrir a discussão para o público, foram levantadas questões e provocações importantíssimas relacionadas ao desafio de se criar uma plataforma que dialogue sobre realidades extremamente diferentes e sobre o grande risco da “domesticação da subjetividade”, como levantou Juca Ferreira em uma de suas falas.
Os participantes foram para o World Café rememorando as discussões e provocações levantadas, com muitas opiniões e questionamentos para o debate. Logo se levantou a questão a respeito dos limites e diferenças sobre participação e consumo, bem como sobre os diferentes interesses mercadológicos e culturais. Por vezes, a imagem do mercado surge ligada a práticas mais rentáveis em detrimento de outras de menor visibilidade e menor retorno financeiro.
As discussões geraram sugestões recorrentes acerca de:
●Fortalecimento da comunicação pública, a garantia de direito à informação e acesso à mídia;
●Criação de sistemas horizontais e participativos, gerando fluxos igualitários de cooperação;
●O entendimento da cultura em um sentido amplo e abrangente;
●Descentralização do fomento e distribuição dos recursos;
●A relevância de se pensar uma plataforma capaz de mapear as práticas relacionadas à Economia Cultural Criativa;
●Criação de formas de acesso ao fomento e às informações menos burocráticas e menos institucionalizadas;
●Grande debate acerca dos riscos que envolvem a Economia Cultural Criativa e a necessidade de maior autonomia para os sujeitos;
●O desafio de promover o enriquecimento e desenvolvimento locais em conjunto com o crescimento econômico da cultura;
●Estabelecimento de uma oportunidade real de troca de experiências e intercâmbio de saberes por meio da plataforma. Pensar o aprendizado coletivo, em uma plataforma viva e capaz de se reinventar a partir dessas experiências;
●Promoção de relações de trocas, não financeiras, que possibilitem a realização de iniciativas;
●Arquitetura lúdica e intuitiva para a plataforma;
●Plataforma a serviço dos interesses coletivos.
Nota-se a partir das questões levantadas a necessidade de uma ambiente de trocas e diálogo, desburocratizado, que fortaleça o trabalho em rede, em prol do desenvolvimento de ações colaborativas capazes de impulsionar a economia cultural criativa.
No última dia de atividades participativas do fórum, uma dinâmica com 20 pessoas escolhidas ocorreu paralelamente aos world cafes. O “ateliê criativo”, como foi chamado, visou uma produção de ideias mais focada no tema da plataforma, tratada apenas de forma periférica nas dinâmicas ligadas aos temas das ágoras e dos world cafes.
O grupo escolhido para o ateliê foi formado basicamente por figuras representativas da vida cultural de seus territórios, além de alguns “tomadores de decisão” e representantes da institucionalidade.
A proposta de trabalho encontrou algumas sérias resistências ao longo do processo, fruto de diversos fatores internos e externos, tais quais:
●Resistência quanto ao contexto institucional do qual partiu a iniciativa;
●Resistência ao caráter algo “escolar” da dinâmica, conforme relatado por alguns participantes;
●Dinâmica incompatível com a contribuição que os participantes tinham para oferecer à construção da plataforma;
●Longo tempo e muitas “voltas” para se chegar a uma fase mais propositiva e construtiva do processo.
Desde já, é importante relativizar essas críticas, considerando que algumas pessoas tiveram uma postura muito mais amena, identificando-se apenas com parte dos pontos levantados, ou mesmo com nenhum deles. De todo modo, sentimos que houve dificuldade para o entendimento de que a proposta focava mais o exercício da criatividade do que o aporte das experiências individuais de cada um.
Com relação às ideias produzidas, objetivo central do atelier, alguns temas-chave foram levantados de modo mais frequente, a saber:
●Plataforma como veículo de comunicação de caráter público e participativo;
●Necessidade de planejamento de longo prazo, com efetividade e continuidade na implementação;
●Plataforma orientada para promoção do intercâmbio cultural entre regiões;
●Plataforma fundada sob regime de co-gestão participativa, incluindo diversidade de fontes de financiamento como fonte de sustentabilidade;
●Plataforma orientada para a publicação e divulgação de estudos e pesquisas na área cultural.
Acreditamos que um dos grandes temas subjacentes a todo o debate do atelier tenha sido a questão de como tornar a plataforma de cooperação cultural efetivamente participativa. Há uma certa desconfiança em relação a isso, por conta de diversas iniciativas parecidas ocorridas com a mesma intenção no passado, mas que acabaram não se concretizando. Entendendo as inerências e a complexidade do desafio, este é um tema que requer a maior atenção durante todo o processo que iremos construir daqui em diante.